Agora eu tenho um livro pra chamar de meu — literalmente!

Ana Carla Santiago
4 min readJul 29, 2020

--

Matéria da Folha de Pernambuco do dia 23 de julho sobre o lançamento do livro

Publiquei dois textos. Autorais. Caralho!!!!! Muita exclamação e palavrão não vão dar conta do misto de sentimentos que ainda tá rolando por aqui. Mas bora lá.

Escrever é paixão e sempre foi por aqui. Na adolescência, lá pelos 12 anos, eu comecei a escrever em folhas soltas de papel pra poder descarregar o que eu estivesse sentindo e me aliviar. Alegria, raiva, tristeza. Principalmente, tristeza. Tempos difíceis aqueles. Se rolasse uma máquina do tempo agora, eu voltaria só pra falar a mim mesma que eu ainda ia ter muito orgulho de mim 12 anos depois, apesar de alguns receios, fraquejos e uma autoestima baixa. Mas tudo é processo. Caminhar, devagar… o caminho só tem fim quando chega nossa hora e a gente não sabe quando é.

Escrever e ouvir música foram (são) duas paixões que salvaram minha vida. Não sei onde estaria agora se não recorresse aos caderninhos, aos cds e às discografias baixadas no 4shared. Me sentia acolhida, até hoje me sinto uma grande amiga imaginária de poetas, poetisas e artistas musicais que eu mais gosto. Acho que essa também é uma grande e boa lombra da arte pra alma e pra cabeça.

Mostrar ao mundo o que eu escrevia me parecia longe demais. Tinha vergonha (que sempre volta até hoje rs), não achava que eu escrevia de forma certa, formal, intelectual. Eram só palavras doidas que só eu entendia. Decidi publicar pela primeira vez em um blog pessoal pra guardar meus escritos, já que perdi milhares de folhas e cadernos com eles. Uma verdadeira dor pra quem tem um ponto forte em câncer no mapa astral e é apegadíssima ao passado.

Criei o Falando de Vera e, apesar de indisciplina, tenho um apego enorme a ele. Acho engraçado demais quando falo o nome e já perguntam “E quem é Vera?”. O nome veio de uma música que eu amo de Novos Baianos, de 1969, e decidi fazer a homenagem. Falando de Vera é falar do fundo do coração, sem maquiagem, sem mentiras. Falando de Vera, verdade ou pessoa. Vera pode ser eu, você, sua tia. Fica aí a escolha.

De Vera, música de Novos Baianos desse LP de 1969

Depois, passei a divulgar e veio a vontade de materializar tudo num livro. Um lugar onde eu poderia tocar, folhear e minhas palavras sempre estariam ali. Sonho.

Mandei escritos autorais pra editais e recebi negativas. A frustração foi grande, nem comentei com ninguém. Joguei o projeto pro fundo da gaveta de sonhos que eu nunca iria conquistar. E aí, a surpresa: mandei dois textos pra uma seleção da Editora Expressividade, de Santa Catarina, e eles foram escolhidos para compor uma antologia de poemas, junto com texto maravilhosos de vários autores do Brasil. Imagina como fiquei besta — ainda tô! Precisei digerir alguns dias e esse bolo todo de pensamento e sentimento só conseguiu sair agora e tá aqui.

Sonho só se realiza em filme. Mas, às vezes, eles decidem fazer parte da vida real. Não desistir deles é a única forma da gente saber se foi sorteado com essa chance. E acho que essa é a graça de tudo, afinal.

Deixo aqui meu agradecimento de todo o coração, quase explodindo, a todo mundo que compartilhou, divulgou e me apoiou desde quando eu escrevia pra espantar os demônios até agora, 2020. Preciso abraçar cada um depois que esse negócio de pandemia passar.

Antologia “Poetas do Brasil: a minha e outras poesias”

O livro está sendo vendido online e quem quiser comprar, é só clicar aqui.

Aqui embaixo, deixo os meus escritos autorais que estão presentes nele. Espero que gostem e que, de alguma forma, eles possam ajudar como muitos poemas já me ajudaram até aqui. Obrigada, obrigada, obrigada!

MEMÓRIAS

Como marcas no corpo
Cicatrizam
Mas não somem
Relevo visível na pele
Persistem
Sem aval
Não tem cura
E não seguem
O curso natural
Memórias
A única certeza que carregamos
Com a gente, pra sempre

SILÊNCIO — NÃO MAIS!

Só um prato de comida para matar a fome do dia
Sem dinheiro da passagem, pega um ônibus
Escorado na piedade
De quem se diz salvador da pátria

Dentro de casa, fazendo planos, 14 anos
Mas escondido do tiroteio
Não adianta: 70 balas o alcançam
“Legítima defesa”, disse o autor sanguinário

Falou o assassino fardado
Enquanto sufocava o rapaz desarmado
Até pararem os seus pulmões
Até acabar a sua vida

Dando fim a outras almas de cor negra.

Sangue nos olhos, nos dentes, nos gatilhos
Que tiram a chance de inocentes
Com a mesma cor de pele
Com a mesma história antiga
Com o mesmo fardo diário nas costas

E no fim, só lhe deixam dois caminhos:
Morrer ou se submeter à violência
De quem diz que racismo não existe.

Não vamos mais aceitar. Não vamos mais no calar.
O terceiro caminho já existe: ir à luta!

--

--

Ana Carla Santiago
Ana Carla Santiago

Written by Ana Carla Santiago

Jornalista de formação, redatora e metida a escritora. Dois escritos publicados na antologia “Poetas do Brasil: a minha e outras poesias”.

No responses yet